Querido povo de Deus, missionários e missionárias e todas as pessoas de boa vontade, que se encontram no território da Diocese de Cametá–PA, saúdo a todos (as) com a Paz que é fruto da Justiça, das bênçãos de Deus e da luta do povo.
Dirijo–me a vocês para contar sobre as preocupações atuais e pedir clemência às autoridades competentes quanto ao presente e ao futuro das comunidades tradicionais do Baixo Tocantins: indígenas, ribeirinhos, pescadores, quilombolas, gente da área rural e urbana, pois todos seremos atingidos com os impactos causados pelo Projeto da Hidrovia Araguaia Tocantins.
Olhando brevemente o “Retrovisor” da história de nossa região
No período de 1970 e 1980 essa região foi profundamente transformada com a implantação e desenvolvimento de dois grandes projetos de engenharia: a usina hidrelétrica de Tucuruí, em Tucuruí; e o complexo de alumínio Albrás–Alunorte, em Barcarena. Dois projetos pertencentes ao grande projeto Carajás, de exploração mineral na região sudeste do Pará.
Sendo concebidos e realizados no período ditatorial, em que não existia uma legislação ambiental que condicionasse a construção de grandes obras, com a obrigatoriedade da realização de Estudos de impactos ambientais – EIA, bem como Relatórios de Impactos Ambientais – RIMA. A ELETRONORTE, empresa estatal responsável pela construção da barragem de Tucuruí, não possuía estudos sobre os impactos ambientais que esses empreendimentos causariam à população que se encontravam abaixo da barragem, desconsiderando toda a manifestação das entidades na época, que exigiam estudos e esclarecimentos sobre o futuro destas populações. Após algumas décadas, esta região mais uma vez se encontra ameaçada (hidrovia), através da vida do seu rio, de seus povos, de seus territórios.
O Velho e incansável rio Tocantins com mais de dois mil quilômetros de extensão, é o segundo maior curso d’água 100% brasileiro. Nasce em Goiás, atravessa os estados do Tocantins e Maranhão para desaguar no mar, aqui no Pará, perto de Belém. No encontro com o rio Araguaia, forma a Bacia Hidrográfica do Araguaia–Tocantins.
Neste percurso de Marabá, Itupiranga, Nova Ipixuna, Jacundá, Novo Repartimento, Goianésia do Pará, Tucuruí, Baião, Mocajuba, Cametá, Limoeiro do Ajuru, Igarapé–Miri, o rio Tocantins garante a biodiversidade da fauna e flora da floresta Amazônica e a sustentabilidade de povos diversos.
Aqui vivem indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores, extrativistas e agricultores familiares. Populações que tiram do rio o sustento para suas famílias.
O que vem a ser o Projeto HIDROVIA ARAGUAIA TOCANTINS?
Hidrovia é um canal de navegação para escoar uma produção em comboios de barcaças. A Hidrovia Araguaia Tocantins é uma obra em que, assim como outras na Amazônia, a vida dos rios e dos povos não é prioridade, mas sim o lucro pelo lucro. Ela vai ligar o porto de Vila do Conde, em Barcarena, aos estados do Mato Grosso, Goiás e Tocantins, servindo para o escoamento da produção de minério e de soja.
Serão 9 barcaças, pelo menos duas vezes ao dia, realizando o transporte. A obra está dividida em três trechos ao longo do rio Tocantins. Dois a montante (acima da barragem) – de Marabá a Itupiranga e entre Santa Terezinha do Tauiry e a Ilha de Bogéa. E um trecho a jusante, entre os municípios de Tucuruí e Baião.
Para que o rio seja navegável o ano inteiro, será necessário retirar as rochas do Pedral do Lourenço. O processo chamado de derrocamento é feito através de explosivos. Em seguida, escavadeiras irão retirar do fundo do rio, o material detonado, a chamada dragagem, que também será realizada nos outros dois pontos da obra.
Para a construção e funcionamento desta obra não há estudos sobre o comportamento do rio Tocantins, bem como da implicação na vida da população ribeirinha, pois é sabido que esse rio sofre influência das marés, o que significa dizer que muda o seu comportamento, revezando a cada 6 horas entre maré alta e maré baixa. Com a abertura do canal no leito do rio, nas marés baixas a água escoará para dentro do canal e as populações das ilhas ficarão isoladas, pois os braços do rio ficarão secos sem condições de navegação, o que trará inúmeros transtornos para essa população, principalmente nas emergências de doenças, na comercialização dos produtos perecíveis vendidos nas feiras livres da região.
Sobre os impactos, falarei em outro momento. Este primeiro alerta à população da Diocese de Cametá, composta por 10 municípios, é justamente para que toda a liderança leiga, os padres, os religiosos (as), todo o povo de Deus, ajudem no processo de conscientização da população que será atingida, falando não apenas sobre os impactos, os danos irreparáveis contra o rio e os povos, mas também ajudando a manter acesa a chama da esperança. Lutar em defesa da vida e da nossa Casa Comum, nunca será em vão.
Por último, vale ressaltar que de onze municípios que serão atingidos diretamente, seis estão dentro da Diocese de Cametá (Tucuruí, Baião, Mocajuba, Cametá, Limoeiro do Ajuru e Igarapé Miri). Ao concluir esta carta ao povo de Deus da amada diocese de Cametá, recordo o Papa Francisco que ao escrever a Carta Encíclica “Louvado Sejas” (Laudato Si’), fala sobre o cuidado da nossa Casa Comum, e logo no primeiro capítulo Francisco faz um apanhado geral sobre “o que está acontecendo com a nossa Casa”, resumindo as aflições ambientais do mundo, amparado na ciência.
Esta Encíclica, de 2015, está atualizadíssima, e pode sim nos ajudar a manter viva a esperança. No número 217 da Carta, o Papa diz que a preocupação com o meio ambiente é um imperativo moral para os crentes, não algo opcional ou secundário. Por isso, exorto que nos movimentos populares, em nossas assembleias paroquiais, na implementação das novas Diretrizes diocesanas, este assunto não fique de fora.
Deus abençoe a todos!
Fraternalmente,
Dom José Altevir da Silva, CSSp
Bispo da Diocese de Cametá–PA
Cametá, 19 de fevereiro de 2022.
(A parte histórica presente na carta é de autoria da socióloga Aida Maria Farias)