Espiritualidade do Padre Diocesano
“O Sacerdote não é para si, mas para vós… (S. João Maria Vianney)
“O princípio interior, a virtude que orienta e anima a vida espiritual do presbítero, enquanto configurado a Cristo Cabeça e Pastor, é a caridade pastoral, participação da própria caridade pastoral de Cristo Jesus: dom gratuito do Espírito Santo, e, ao mesmo tempo, tarefa e apelo a uma resposta livre e responsável do sacerdote. O conteúdo essencial da caridade pastoral é o dom de si; o total dom de si mesmo à Igreja, à imagem e com o sentido de partilha do dom de Cristo” (PDV n.23).
Na vivência profunda do Tríduo Pascal, ponto alto da Semana Santa, que se inicia com a Missa vespertina da quinta-feira Santa e se conclui com a Vigília Pascal, o sacerdote é convidado a participar dos grandes Mistérios da vida de Jesus: Paixão, Morte e Ressurreição.
O Padre diocesano tem uma espiritualidade sim, centrada no único modelo: Jesus, Sacerdote Verdadeiro e Bom Pastor. Não podemos ter dúvidas desta espiritualidade, e cada presbítero deve ser o primeiro a viver e testemunhar profundamente a mesma. Procurando viver em plenitude a espiritualidade do Mestre Jesus, o ideal do pastor se aproxima ao do Apóstolo Paulo: “não sou eu quem vive, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Ao povo de Deus, que está sob o cuidado do padre diocesano pelo ministério que lhe é confiado, interessa precisamente essa identidade com Jesus Cristo. Pois é à luz dessa busca de identificação ao Eterno Sacerdote, que o padre diocesano conduz seu rebanho na imitação deste Bom Pastor.
O Padre Diocesano, diferente do religioso, que tem uma espiritualidade deixada como herança por seus fundadores, é enriquecido por essa identidade com Jesus Cristo. Por isso mesmo essa espiritualidade contempla diretamente os Mistérios salvíficos, Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus, que nos convida a viver nossa vocação, espiritualidade e missão com profunda interioridade. É o Espírito Santo quem vai animar toda nossa vida de pastor, correspondendo sempre à estatura de Cristo, que é o próprio Evangelho. Assim, cada sacerdote busca, portanto, cumprir santamente e com zelo pastoral a missão que Deus lhe confiou junto ao seu Bispo e a seus irmãos presbíteros. Aqui está sua espiritualidade, a entrega total, na ação e na contemplação, à porção da Igreja em que exerce o seu pastoreio, unido ao bispo e a todo o presbitério, primeira comunidade da Diocese.
Motivado e sustentado por esta espiritualidade profunda, venho desejar a cada padre desta amada Diocese, que viva este Tríduo, embalado pela força dos Mistérios de Cristo. Os três dias do Tríduo Pascal formam uma só celebração, que resume todo o mistério da Páscoa. Por isso, nas celebrações da quinta-feira à noite e da sexta-feira à tarde não se dá a bênção final; ela só será dada, solenemente, no final da Vigília Pascal.
Na Quinta-feira Santa de manhã (ou em outro dia em que as necessidades pastorais aconselharem, e de modo especial neste tempo de pandemia), celebra-se a instituição da Eucaristia e do Sacerdócio ministerial. A Eucaristia é o sacramento do Corpo e Sangue de Cristo, que se oferece como alimento espiritual. Pelo segundo ano consecutivo a Missa do Crisma foi adiada, devido ao aumento das mortes causadas pela Covid-19, mas como sacerdote, devemos tirar um tempo diante do Santíssimo para pedir forças ao “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”, que apague nossas iniquidades, incoerências e relembrar no silêncio do nosso coração as promessas sacerdotais que fizemos diante de Jesus Cristo, no dia da nossa ordenação presbiteral.
À noite desta Quinta-feira Santa acontece a celebração solene da Missa em que se faz memória da instituição da Eucaristia, do mandato do amor ao próximo e do Sacerdócio ministerial. Nessa missa, realizase a Cerimônia do Lava-pés, em que o celebrante recorda o gesto de Cristo, que lavou os pés dos seus apóstolos. Esse gesto procura transmitir a mensagem de que o cristão deve ser humilde e servidor. Neste ano, por causa da pandemia, estamos privados da realização deste gesto, mas estaremos com plena liberdade de pedir a Deus que lave os nossos corações para vivermos o mandamento do amor.
Nessa celebração também se recorda o mandamento novo que Jesus deixou: “Eu vos dou um novo mandamento, que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei”. Comungar o Corpo e Sangue de Cristo na Eucaristia implica a vivência do amor fraterno e do serviço. Essa é a lição da celebração. Que em nosso presbitério possamos com base neste novo mandamento, renovar as nossas forças, alargar nosso horizonte, para perseverar na esperança.
Na Sexta-feira Santa, a Igreja contempla o mistério do grande amor de Deus pelos homens. Ela se recolhe no silêncio, na oração e na escuta da Palavra Divina, procurando entender o significado profundo da morte do Senhor. Neste dia não há missa. À tarde acontece a Celebração da Paixão e Morte de Jesus, com a proclamação da Palavra, a oração universal, a adoração da cruz e a distribuição da Sagrada Comunhão. Por estarmos vivendo pela segunda vez um ano atípico, não teremos o beijo da cruz, aberto ao povo, mas fica reservado apenas para o presidente da celebração, como já foi orientado pela Santa Sé, CNBB e Diocese.
Na primeira parte, são proclamados um texto do profeta Isaías sobre o Servo Sofredor, figura de Cristo, depois a Carta aos Hebreus, que ressalta a fidelidade de Jesus ao projeto do Pai, e o relato da paixão e morte de Cristo, segundo o evangelista João. São três textos muito ricos e que se completam, ressaltando a missão salvadora de Jesus Cristo. O segundo momento é a Oração Universal, compreendendo diversas preces pela Igreja e pela humanidade. Aos pés do Redentor imolado, a Igreja faz as suas súplicas confiantes. Depois segue-se o momento solene e profundo da apresentação da Cruz, convidando todos a adorarem o Salvador nela pregado: “Eis o lenho da Cruz, do qual pendeu a salvação do mundo. – Vinde adoremos”. E o quarto momento é a comunhão. Todos revivem a morte do Senhor e querem receber seu Corpo e Sangue; é a proclamação da fé no Cristo que morreu, mas ressuscitou. Nesse dia, a Igreja pede o sacrifício do jejum e da abstinência de carne como ato de homenagem e gratidão a Cristo, para ajudar-nos a viver mais intensamente esse mistério, e como gesto de solidariedade com tantos irmãos que não têm o necessário para viver, especialmente neste tempo de pandemia, com muitos desempregados, em vários lugares, que, sem poder sair de casa, se veem envolvidos pela miséria e fome, que afetam nosso povo. Aumentou o número de pessoas que estão sobrevivendo com apenas uma refeição ao dia, isso quando conseguem.
A Semana Santa não se encerra com a sexta-feira, mas no dia seguinte, quando se celebra a vitória de Jesus. Só há sentido em celebrar a cruz quando se vive a certeza da ressurreição. Sábado Santo é dia de silêncio e de oração. A Igreja permanece junto ao sepulcro, meditando no mistério da morte do Senhor e na expectativa de sua ressurreição.
À noite, a Igreja celebra a solene Vigília Pascal, a “mãe de todas as vigílias”, revivendo a ressurreição de Cristo, a vitória sobre o pecado e a morte. A cerimônia é carregada de ricos simbolismos, que nos lembram a ação de Deus, a luz e a vida nova que brotam da ressurreição de Cristo. Neste contexto, peçamos pelo fim da pandemia, para que se renove a esperança do povo e a vida volte a brilhar.
Então o tempo se abre para a Páscoa! Após termos retomado os vários símbolos e rezado solenemente a liturgia, partimos para as alegrias pascais, prolongadas pela oitava e celebradas nos 50 dias desse belíssimo tempo, convidando-nos a ser suas testemunhas até os confins da terra!
Domingo da Ressurreição, “este é o dia que o Senhor nos fez, dia de alegria e de júbilo”. Cristo morreu e ressuscitou de uma vez para sempre e para todos, mas a força da Ressurreição, esta passagem da escravidão do mal à liberdade do bem, deve realizar-se em todos os tempos, nos espaços concretos da nossa existência, na nossa vida de cada dia. Como padres diocesanos temos nossa espiritualidade centrada na pessoa de Jesus Cristo, o bom Pastor, Aquele que ajuda as ovelhas a enfrentarem os perigos, as ameaças. Quantos desertos tem o ser humano de atravessar ainda hoje! Sobretudo o deserto que existe dentro dele, quando falta o amor de Deus e ao próximo, quando falta a consciência de ser guardião de tudo o que o Criador nos deu e continua a dar. Mas a misericórdia de Deus pode fazer florir mesmo na terra mais árida, pode devolver a vida aos ossos secos (Ez 37, 1-14).
Queridos padres, mergulhados na espiritualidade diocesana, poderemos viver os mistérios de Cristo. Feliz Tríduo Pascal!
“Para que nossa oração seja ouvida não depende da quantidade de palavras, mas do fervor de nossas almas” (São João Maria Vianney).
Cametá, 31 de março de 2021.
Dom José Altevir da Silva, CSSp
Bispo Diocesano de Cametá